7 de set. de 2011

A noção de minimalismo nas artes e na arquitetura

Apesar de plurais e com tendências heterogêneas, os movimentos artísticos de vanguarda europeus do início do séc. XX apresentavam como característica em comum o repúdio às normas acadêmicas de representação tradicionalmente instituídas, baseadas na idéia da mimese como imitação da realidade. Contrapondo-se às inclinações naturalistas ainda remetentes à arte romântica, o neoplasticismo se originava neste contexto a partir da expressão de uma natureza não-figurativa, manifestada sobretudo por meio da simplificação das composições visuais, da abstração geométrica e do uso de cores primárias.
Fig. 1 - Composição de Mondrian
Difundido a partir do grupo De Stijl (Agregando princípios e influências de distintas disciplinas artísticas, o grupo De Stijl apresentava dentre alguns de seus membros mais representativos Piet Mondrian, Bart van der Leck e Amédée Ozenfant, na pintura, e Gerrit Rietveld e J.J.P. Oud, no design de mobiliário e na arquitetura.), os conceitos de harmonia e equilíbrio segundo o ideal estético neoplasticista não era concebido através do princípio clássico da simetria, mas sim por meio da criação de oposições e contrastes resultantes da exploração do elementarismo da linha, do espaço e da cor em formas geométricas regulares claramente diferenciadas e sem sobreposições, produzindo uma qualidade assimétrica da noção de equilíbrio (fig. 1).
Theo van Doesburg, pintor e editor da revista De Stijl entre 1917 e 1931, publicou em 1924 o manifesto “Towards a plastic architecture”, relacionando o pensamento da vanguarda artística aos princípios formais básicos de uma nova concepção de arquitetura, caracterizada como “abstrata, objetiva, elementarista, informe, econômica, de planta livre, assimétrica, antidecorativa, antimonumental, anticúbica, aberta, flutuante e em equilíbrio dinâmico” (MONTANER, Josep Maria. As formas do século XX. Barcelona, Gustavo Gili, 2002, p. 74). Assim como a pintura neoplasticista reduziu-se a pontos, linhas, planos e cores primárias, esta concepção abstrata de arquitetura também partiu de elementos constitutivos essenciais tais como massa, superfície, luz, cor, materiais, etc. No manifesto de 1924, Doesburg atesta que somente com a colaboração de todas as artes plásticas seria possível completar a arquitetura, anunciando assim estreitas relações entre a arte abstrata e a arquitetura (DOESBURG, Theo van. Towards a plastic architecture. Apud MONTANER, Josep Maria. As formas do século XX. Barcelona, Gustavo Gili, 2002.).

Fig. 2 - Casa Schröder – Vista interna
As fachadas podem ser vistas como uma composição de superfícies destacadas em diferentes profundidades, favorecendo a disposição das varandas. Apesar de estáticos, estes planos parecem poder deslizar uns sobre os outros. Assim como na pintura, superfícies pintadas em branco e em tons de cinza predominam nas fachadas, mas há detalhes realçados em cores primárias que intensificam sua plasticidade. Apesar do programa arquitetônico residencial convencional, não há uma disposição tradicional dos ambientes, mas a projeção de um espaço amplo que, devido à utilização de um sistema de fechamento com painéis deslizantes e removíveis, viabiliza diversas alternativas de leiaute em uma mesma projeção horizontal edificada, possibilitando ao ocupante a vivência de distintas experiências espaciais (fig. 2).
Embora a casa de Rietveld tenha sido uma das primeiras manifestações arquitetônicas de inspiração minimalista, o desenvolvimento desta tendência foi continuado por Mies Van der Rohe (1886 –1969) a partir da interpretação da metáfora “less is more” (Esta asserção, por sua vez, procede do aforismo “ornamento é crime” cunhado por Adolf Loos (1908), a partir do qual manifesta um purismo estético radical contra os excessos decorativos do ecletismo europeu.), o que equivale dizer “menos vale mais”, ou “menos significa mais”. A fecundidade da metáfora miesiana reside na abrangente multiplicidade de significados que suscita, em diversos planos de compreensão. Não se trata, portanto, de uma analogia visual direta ou literal em que o edifício resulta em um signo icônico óbvio de seu conceito gerador, como em muitos exemplos do figurativismo arquitetônico pós-moderno (Na década de 1960, Robert Venturi contrapõe-se radicalmente ao pensamento minimalista de Mies e, em âmbito geral, contra os preceitos da arquitetura moderna a partir da afirmação, em caráter literal, “less is a bore”, denotando que “menos é uma chatice”.). A abrangência deste aforismo, convertido em um dos princípios fundamentais não só do pensamento arquitetônico moderno, como também de algumas tendências não-figurativas do pós-modernismo arquitetônico, conduziu não somente à concepção de obras arquitetônicas comunicadoras de belas poéticas internas, mas também a um sincero questionamento sobre as próprias qualidades de uma boa arquitetura.

Fig. 3 - Pavilhão de Barcelona - Projeto de Mies Van Der Rohe
A influência neoplasticista na obra de Mies manifesta-se claramente no Pavilhão alemão na Feira Mundial de Barcelona (1929), expressão emblemática da metáfora minimalista (fig.3). Subjacente à aparente simplicidade do minimalismo arquitetônico de Mies, reside um ideal de perfeição platônica materializado a partir de um sofisticado jogo combinatório de lâminas de vidro, superfícies de água, planos horizontais e verticais e painéis de mármore. Os delgados pilares metálicos cruciformes revelam uma expressão estrutural ao mesmo tempo singela e vigorosa, produzindo um tipo de tensão essencialmente minimalista.
Alguns dos elementos da linguagem moderna da arquitetura que se mostram presentes nestes exemplos, tais como a tendência à abstração, a ampla recorrência às formas geométricas puras, a assimetria, os planos e balanços, as relações de transparência entre espaço interno e externo, o elevado rigor técnico e a estética apurada dos detalhes construtivos, dentre outros, ressurgem décadas mais tarde na produção arquitetônica pós-moderna de inspiração minimalista, para onde também convergem as influências das artes minimalistas desenvolvidas nos Estados Unidos ao longo da década de 1960.
Assim como a linguagem da arquitetura clássica sofreu diversas releituras em distintas épocas históricas, pode-se dizer que a linguagem da arquitetura moderna também tem se pronunciado ciclicamente, embora de modo bem mais efêmero e mais ambíguo. As manifestações arquitetônicas de inspiração minimalista surgidas após o Movimento Moderno constituíram-se como uma nova espécie de racionalismo que se contrapunha aos excessos figurativos e à heterogeneidade iconográfica característicos da produção arquitetônica de Robert Venturi, Michael Graves e Charles Moore, dentre outros. Embora plural e heterogêneo, e por isto referimo-nos ao minimalismo pós-moderno apenas como uma tendência, pode-se dizer que suas variadas manifestações convergem para a máxima miesiana na qual “menos é mais”.
Segundo Montaner, a noção de minimalismo remete à “busca de uma arquitetura unitária, onde se utiliza um número de elementos, materiais e linguagens limitadas e articuladas de forma essencial” (MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno. Barcelona, Gustavo Gili, 2001, p. 262.). Deve-se observar que esta caracterização também se aplica à própria arquitetura moderna, podendo ser aplicada às referidas obras de Rietveld e de Mies. Apesar desta ter consistido uma das principais referências da vertente pós-moderna, residem distinções a serem consideradas. Ainda, segundo o autor, “[Após o Movimento Moderno] reaparecem arquiteturas que primam pela busca de um sentido comum tectônico presente no uso rigoroso e asséptico dos materiais, na recriação de espaços diretos e puros, na utilização de formas volumétricas e geométricas simples, na austera utilização de repertórios significativos, na economia de materiais e energias, e na integração com o entorno”. (Idem, ibidem, p. 260)
Signal Box - Herzog e De Meuron
Enquanto a arquitetura moderna aspirava a um elevado sentido transcendente, havendo pouca ou nenhuma intenção de integração com o entorno, no minimalismo pós-moderno observam-se peculiares combinações de auto-referência e relação com o lugar. Embora a obra não pretenda representar ou remeter a nada além dela mesma, pode relacionar-se sutilmente com elementos do entorno.


Produzida em uma época de crescentes crises de energia e do progressivo esgotamento dos recursos naturais, a tendência minimalista manifesta-se pela contenção em detrimento da abundância, firmando-se em prol de uma higienização que preza pela redução absoluta de todo o tipo de esbanjamento, do ornamental ao energético. Em âmbito mais abrangente, pode-se dizer que esta busca pela simplicidade também adquire um sentido fundamentalmente crítico nas sociedades contemporâneas caracterizadas pelo alto consumo e desperdício.
Assim como na arquitetura moderna, a tendência arquitetônica pós-moderna de inspiração minimalista se realiza sem referências à teoria, história ou significados. Nesta concepção, a sofisticação da materialidade assume maior valor do que possíveis argumentos conceituais de fundo social, cultural ou histórico. Apesar do resguardo na estabilidade e solidez das qualidades materiais arquitetônicas, do rigoroso controle geométrico e do primor dos detalhes construtivos, esta não é uma arquitetura que se atenha a virtuosismos tecnológicos; apenas utiliza a tecnologia como meio para sua concretização.
As análises das obras arquitetônicas a seguir ilustram de que maneiras os mecanismos racionais da abstração minimalista podem ser aplicados ao campo da arquitetura mais recente, permitindo reconhecer interfaces e descontinuidades em relação aos respectivos mecanismos empregados no meio da arte minimalista.

Texto Adaptado do Site Arquitextos: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.088/208

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