25 de jul. de 2011

Decoração: História do Mobiliário

Mais do que simples objetos que integram a decoração, ou refletem prferências e estilos, os móveis podem servir como narrativas de períodos, movimentos, sociedades; podem nos contar um pouco a história de reis e rainhas, indicando questões como status e poder. Sua importância no cotidiano é grande, e podemos pensar a história do mobiliário sob diversos aspectos. Este olhar sobre o móvel é apresentado por Lucie-Smith, na introdução da obra Furniture: a concise history (1997), da qual foi retirado o texto abaixo.

Os Significados do Móvel

O móvel ocupa um lugar curiosamente ambíguo entre os artefatos humanos. Estritamente falando, ele não é necessário para a existência humana; e algumas culturas, mais especialmente aquelas nômades, parecem viver suficientemente bem sem móveis. Por causa de seu volume, os móveis implicam numa existência sedentária. De fato, em certo sentido, os móveis são inseparáveis da arquitetura.

Mas a posse de artigos de mobiliário implica, de todo modo, num nível de cultura de alguma forma acima do nível de subsistência, assim como implica no abandono de hábitos e posturas animais. Nesse sentido, os móveis de assento são os mais significativos, desde o uso de um banco ou de uma cadeira para sentar-se depende de que o usuário tenha sido educado por seu ambiente cultural. Por outro lado, isso não significa falar de superioridade cultural. O banco ou a cadeira têm uma longa e contínua história na Europa Ocidental e no Oriente Próximo, mas são diferentemente exóticos na Índia e não são universalmente empregados na China e no Japão. Se considerarmos de modo mais amplo a questão, parece que o mobiliário pode ser pensado, em diferentes períodos da história, sob quatro ângulos diferentes.

O primeiro é óbvio: pode-se pensar nos móveis em termos de função, e essas funções práticas são, de fato, comparativamente, poucas. Algumas pessoas se sentam num móvel (bancos, poltronas ou cadeiras); outras colocam coisas nele (mesas e estantes), reclinam e dormem (camas e sofás); ou usam para guardar coisas (armários e guarda-roupas). Essas funções são muitas vezes combinadas, mas de modo mais freqüente ocorre uma refinada diferenciação entre as categorias de móveis, de modo que cada peça adquire sua forma definitiva através de sua designação para uma única, específica e altamente especializada necessidade.

O segundo ângulo representa um aspecto sobre o qual os historiadores do mobiliário estão agora mais conscientes: os móveis desempenham um papel muito importante como indicadores de uma posição social. Aquele que ocupa a mais alta posição na hierarquia social tem enfatizado seu papel particular, sendo que as questões de conveniência ou conforto são freqüentemente deixadas de lado. De fato, os móveis são apenas um pouco menos importantes que a roupa e os adornos pessoais como meios de transmitir um significado de posição social.

O terceiro método de abordagem do mobiliário é o aspecto tecnológico. Mas, enquanto esse método oferece uma boa medida do progresso tecnológico, especialmente nos séculos dezenove e vinte, certas coisas devem ser levadas em conta. Uma delas é que os móveis, até há bem pouco tempo, eram artefatos artesanais mais do que industriais, e a tecnologia concernente aos móveis era mais uma questão de habilidade com a qual um material em particular era trabalhado, por exemplo, a madeira. Não houve, de maneira nenhuma, uma progressão contínua a esse respeito. Os móveis encontrados na tumba de Tutankhamon, por exemplo, são do ponto de vista da habilidade artesanal, mais refinados do que qualquer outra coisa produzida na Europa desde o início da Idade Média até a metade do século dezoito.

Os materiais atuais usados em mobiliário, os tipos de madeira, etc., contam-nos sem dúvida claramente certas coisas. No entanto, é possível dizer que a real revolução tecnológica atingiu a fabricação de móveis apenas recentemente e ainda está acontecendo. As técnicas de fabricação de móveis e os materiais considerados adequados mudaram mais drasticamente nos últimos sessenta anos do que nos seis séculos anteriores. Por isso uma história do mobiliário baseada sobre a evolução técnica seria mais conveniente para o estudo dos móveis a partir do século vinte.

O quarto ângulo a partir do qual se pode observar o mobiliário se baseia no fato de que os móveis são usados para constituir um espaço puramente pessoal e subjetivo, onde um indivíduo escolheu viver. Os móveis obedecem tanto à fantasia quanto são respostas para as necessidades cotidianas. A noção completa de interior doméstico como o cenário de uma peça que representamos enquanto vivemos, e, portanto, de que os móveis são peças que compõem uma colagem tridimensional constantemente e caprichosamente alterada, é propagada hoje em qualquer loja de decoração.

O estudo do mobiliário, que nasceu do interesse dos antiquaristas do século dezenove, foi desde então confundido com a obsessão pelo antigo. A história do mobiliário tem pouco a ver com as questões de identificação e autenticidade. Ela tenta, ao contrário, mostrar como os móveis têm relação com o desenvolvimento geral das sociedades e também com a psicologia individual.

Para compreender o mobiliário do passado é essencial considerar não apenas o tipo de significado que cada móvel ocupa isoladamente para aqueles que o compraram ou o encomendaram, mas também a questão do arranjo dos móveis como um todo. A questão do arranjo dos móveis entre si é um tema sobre o qual os historiadores do assunto têm também dedicado uma atenção cada vez maior, e o resultado tem sido não apenas a publicação de livros fascinantes, mas também a recriação de espaços em museus.
(Tradução adaptada de LUCIE-SMITH, Edward. Furniture: a concise history. London: Thames & Hudson,1997.)

Referências bibliográficas
LEON, Ethel. Design Brasileiro: quem fez, quem faz. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2005.
LUCIE-SMITH, Edward. Furniture: a concise history. London: Thames and Hudson, 1979.
MONTENEGRO, Riccardo. Guia de História do Mobiliário – Os Estilos de Mobiliário do
Renascimento aos Anos Cinqüenta. Lisboa: Presença, 1995.
MANCUSO, Clarice. Arquitetura de interiores e decoração: a arte de viver bem. Porto Alegre: Editora Sulina, 2007.
MUSEU DA CASA BRASILEIRA. O móvel da casa brasileira. São Paulo, MCB, 1997.
RYBCZYNSKI, Witold. Casa: pequena história de uma ideia. Rio de Janeiro: Record, 1999.
VERÍSSIMO, Francisco Salvador; BITTAR, William Seba Malmann. 500 Anos da Casa no Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro,1999.

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